Sebastião Guimarães: “O Seringal é a razão da minha vida”

Luciana Granados Seringal Novo Encanto 3 Comments

Entrevista com Sebastião Guimarães, o Leão do Seringal

Sebastião Guimarães e sua esposa Antonilda Guimarães zelam direta e presencialmente pela área de preservação que deu origem a Novo Encanto. Ele é conhecido como “Leão do Seringal” por ter evitado que áreas do seringal fossem invadidas. A equipe da Novo Encanto conversou com ele, em Rio Branco, no Acre, sobre seu cotidiano dentro do seringal.

Com que tipo de situações o senhor lidou ao longo dessa vivência no Seringal Novo Encanto se que podem justificar esse apelido de “Leão do Seringal”?

Sebastião:  Eu passei algumas situações dos caras quererem me enfrentar, mas graças a Deus e com a fé no Mestre eu venci sem me machucar. Tinha um camarada, um pescador, que dividiu uma área, passando pela capoeira lá de casa, bem no aceiro da casa mesmo. Aí fez um barraco, eu derrubei. Aí depois ele fez outro, em seguida, e a gente foi lá e derrubou de novo. Então ele ficou meio brabo comigo e nós nos encontramos no mesmo dia e ele falou algumas coisas pra mim.

Era um invasor então?

Sebastião: Sim. Ele queria uma área lá dentro do seringal. Aí fez um picadão do rio Iquiri até a beira do igarapé Preto e disse que era a área dele e que eu não podia andar lá dentro. Aí, ele presenciou eu derrubando o barraco dele e no mesmo dia. Aí eu pedi pra ele ir lá em casa se tivesse alguma coisa contra mim, por que ele disse que eu andava perseguindo ele. Mas ele não foi.

E aí passaram-se os dias?

Sebastião: Aí passou mais ou menos uma semana desse acontecido. Eu estava indo de Rio Branco pro Seringal e ele também estava no ônibus. Ele morava do outro lado do rio, tinha que cruzar lá no Cafezal, onde mora o Manoel. E ele e o Manoel eram inimigos, ele não podia passar no terreno do Manoel. E o porto dele era mais em cima, passava pelo terreno, então ele tinha que ir pela beira do rio sem o Manoel ver, pelo meio do mato mesmo, pra chegar no caminho que ia pra casa dele. Aí eu cheguei, mais a Antonilda, de noite, ele estava lá na beira e eu perguntei:

Nonato, tu vai pra onde?

Ele disse:

– Eu vou pra casa.

Eu digo:

– Quer cruzar por aí?

Ele disse:

– Não, eu não passo aí por essa casa não.

Eu disse:

– Então eu vou te deixar lá em cima, no teu porto.

Aí fiz funcionar o motor do meu barco e fui deixar ele lá. Eu dei a carona pra ele não ter que passar por lá e nem ir por dentro do mato, na beira do rio de noite. Fiz com ele o que ele não fez comigo.

E depois disso ele não mexeu mais com o senhor?

Sebastião: Isso. Aí depois ele resolveu não invadir mais o seringal. Porque eu disse que se ele fizesse outra casa lá eu não ia esperar pra derrubar a casa não. Eu ia resolver diferente. Aí ele não foi mais.

Então o senhor pacificou a situação sem precisar usar a violência.

Sebastião: É uma guarnição, porque o que eu passei dentro do Seringal Novo Encanto… Os caras me juravam: “Se eu pegar o Sebastião num ramal aí, já viu como é que vai ser, e tal…”. E eu andava tranquilo, nunca aconteceu nada graças a Deus. E eu tenho certeza que era o Mestre me guiando ali, sempre  presente pra me defender. E está sempre!

E o senhor está com que idade?

Sebastião: Eu tenho 64 anos, vou interar 65 agora em 2018 e, se Deus quiser, vou me aposentar.

E sua esposa Antonilda?

Sebastião: Antonilda inteirou 55. Tá lutando também pela aposentadoria.

 E antes de ir morar e zelar pelo Seringal, o senhor trabalhava com o que?

 Sebastião: Eu cortava seringa lá nas margens do rio Abunã, no Seringal Itamarati, Plácido de Castro, próximo do Seringal Sunta.

 E como surgiu a oportunidade de morar no Seringal Novo Encanto?

Sebastião:  Fui morar no Seringal Novo Encanto em 1994 a convite da Diretoria da Novo Encanto na época, por causa de umas invasões que estavam acontecendo lá. Os seringueiros estavam vendendo madeira pras serrarias que serravam clandestinamente e não tinha quem tomasse de conta. Aí eu fui. Foi meio difícil, a mulher não queria ir, mas depois ela resolveu. E a gente está lá até hoje lutando. Não topam moleza não, porque se a gente tivesse bancado o mole não tinha Seringal Novo Encanto hoje. Até hoje mesmo eu falei pra uma pessoa: – Se e eu saísse da Novo Encanto acabou-se também. – Até hoje. Pode ser que amanhã, se Deus quiser, apareça uma pessoa pra ficar lá, que eu tenho vontade de sair. Mas não posso, porque não quero abandonar o que eu já fiz, o que eu venho trabalhando. Estou esperando aí o reconhecimento do povo, que tem um bocado que já reconhece, graças a Deus.

E qual a expectativa do senhor diante da campanha “Uma Nova Casa no Seringal”, que visa construir a sua nova casa e restaurar a antiga sede do seringal? O que o senhor está sentindo?

 Sebastião: Ah, eu estou esperando isso aí faz tempo. Esperando  uma casa pra mim. Porque quando eu fui pra lá, isso era uma das promessas. Tinha a sede construída e ele dizia: – Aqui é a sede do Seringal, que tem o nome de Posto de Saúde “Dr. Camalango” Mas nós vamos fazer uma casa pra você aqui um dia. – Mas diante das dificuldades ainda não foi possível. E eu já estou há quase 23 anos lá, ouvindo sempre essa promessa, e agora eu estou acreditando que nós vamos fazer uma casa pra mim. Então eu estou aguardando isso aí, eu estou feliz! E a restauração da sede, pra deixarmos ela do jeito que era antigamente.

 E a restauração da antiga sede visa à criação de um memorial no local. Um lugar para contar a história do seringal que é também a sua história.

Sebastião: Exatamente! Que é a minha história. Que o seringal é razão da minha vida. Por que eu arrisquei lá também, junto com a minha família, minha companheira. E eu conto com os irmãos que já vem auxiliando e podemos auxiliar mais. Por isso que nós estamos trabalhando. O Seringal Novo Encanto, se a gente se empenhar mesmo, eu acredito que vem ser o que eu estou pensando, um local autossustentável como nós queremos. E eu espero que a gente firme o pé no chão para chegar nesse ponto.

 

Por Jean Bonazoni

Foto: Michela Brigida Rodrigues

Comments 3

  1. Parabéns mano Sebastião, pela dedicação e determinação em zelar a terras sagradas da Novo Encanto, Este exemplo já esta registrado nos anais da historia da UDV e da Novo Encanto. Somos todos gratos pelo seu trabalho de anos a fio em manter o florestal equilibrado e preservado. Este ano de 2018 irei no Seringal Novo Encanto para conhecer o Sr, sua família, as historias, e os trabalhos desenvolvido pelo Sr e os irmãos.

    1. Em breve iremos divulgar a data da próxima expedição ao Seringl Novo Encanto, Ricardo!

      Michela Brigida
      Assessora de Comunicação da Novo Encanto

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